Idiomas

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O DOCE VENENO DO ESCORPIÃO 3

Bruna Surfistinha

O diário de uma garota de programa




Sempre arrumava uma desculpa e caía fora. Para o garoto, mais velho e maior de idade, eu seria apenas “mais uma”. E eu não queria ser apenas “mais uma”. Me sentiria usada. Ainda restava um pouco de razão na minha cabeça romântica. Transar ali para nunca mais ver o cara? Não era meu ideal de primeira vez. Sem falar no medo da dor e do sangramento do qual falavam as revistas de adolescentes. Achava que sangraria horrores, como uma torneirinha de sangue.
No fundo, era inexperiência mesmo. Sem querer confessar ser virgem, e igualmente sem coragem para pedir uma camisinha, me imaginava no lugar de uma amiga que engravidou aos 15 anos. Ela nem sequer sabia quem era o pai da criança. Mãe, quem é o meu pai?” “Não sei, filho E eu sei bem o que significava esse tipo de diálogo.
No meu primeiro dia na casa da Franca, a última coisa que eu queria era que descobrissem minha falta de experiência. Cheguei lá pelas duas da tarde, depois de ter caminhado desde o Paraíso, onde morava, deixando para trás tudo o que tinha: mãe, pai, quarto, roupas. Carregava um fichário e a mochila do colégio com poucas roupas e muitos biquínis para usar no meu primeiro emprego. Perda de tempo: nenhuma das garotas trabalhava de biquíni.
Sem roupa decente para trabalhar, as outras garotas me arrumaram umas coisas horrorosas. Justo eu, que sempre me expressei pelo uso de marcas de grife, que compensavam minha gordurinha e minha síndrome de patinho feio. Tive de me conformar. Sabia que um dia ganharia meu dinheiro e compraria tudo outra vez.
A cafetina da casa da Franca, Larissa, foi a única para quem disse uma parte da verdade. Ela me pediu o RG, e não tive como esconder: eu só tinha 17 anos. “Não diga
nada a ninguém sobre isso”, ela me aconselhou.
Por mais que tentasse bancar a experiente na frente das outras garotas, de cara dei bandeira:
“Com que nome você trabalha?”, perguntou Larissa.
“Raquel”, disse, sem um pingo de malícia.
“Nenhuma garota de programa usa seu nome de verdade. Aqui, vai ter de trocar.”
“Você combina com Bruna”, disparou a Mari, que acabou virando uma boa amiga.
Não me lembro por que, quando foi ou quantos anos eu tinha, mas não esqueço que cresci com a história de ser adotada na cabeça. Quando tinha cinco anos, perguntei à minha mãe. Diante da resposta positiva, não tive coragem de perguntar o que significava, afinal, adoção. Levei minha dúvida para a professora da escola, que me explicou que as pessoas adotadas foram bebês abandonados em um lugar porque a mãe não podia ou não queria criar. Depois disso, vem um casal e escolhe uma dessas crianças para a adoção. “Escolhe?” Me senti um objeto. Por mais que meus pais sempre tivessem me tratado como filha, foi difícil não me revoltar, mesmo que guardasse isso só para mim. Pô, filho era o que nascia da barriga. Só comecei a aceitar o contrário bem mais tarde. Talvez tarde demais.
Tentava levar tudo numa boa, pois tinha mesmo uma família. Mas sempre vinha alguém e comentava que eu era muito diferente das minhas irmãs mais velhas e da minha
mãe. Ela é bem européia, pele clarinha, cabelos e olhos escuros, traços delicados. A gente só se parece na altura: ela é tão baixinha quanto eu. As vezes, até trocávamos algumas roupas, uns casacos. Mas as semelhanças ficavam por aí. Minhas duas irmãs, ao contrário, são iguaizinhas à minha mãe.
Mesmo um tio meu jamais me tratou como sobrinha. Para os que não conheciam meu pai, a desculpa era: “ela puxou a ele”. Nem na sombra: ele tem 1,92 metro, é gordo,
branquinho… Em alguns momentos, para me defender desse preconceito, dessa agressão, minha mãe mentia para os desconhecidos, inventava algo para me resguardar.
Quanta inveja eu senti das minhas amiguinhas que se pareciam com seus pais, com sua família de verdade! A raiva ia dos meus pais biológicos para os adotivos. Quando brigávamos, eu os chamava de tio e tia. Coitada da minha mãe… Mas eu não tinha maturidade nem estrutura para lidar com isso sozinha.
Com sete anos, em 1991, voltamos todos para Sorocaba, local de origem da minha família adotiva também. Ou melhor, nos mudamos para nossa chácara, em Araçoiaba da Serra. Meu pai havia sofrido um acidente e tivera de parar de trabalhar. Um dia, na garagem do prédio, se abaixou para pegar alguma coisa e, quando levantou, bateu a cabeça numa viga mais baixa do teto. Aquela pancada afetou seriamente seu cérebro, nem sei explicar como. Só quando o vi desmaiado pela primeira vez, no meio da sala, senti o quanto era grave. Quando meu pai viu que não tinha como continuar trabalhando, no auge de sua carreira de Direito, se abateu, ficou muito deprimido. Foi melhor mesmo a gente se mudar para a chácara.
Apesar de ter sido uma fase muito tensa e difícil com a doença do meu pai, não tenho do que me queixar: enquanto era poupada, sempre que possível, do clima de doença, brincava muito, inclusive com minha mãe e, às vezes, até com meu pai. Ele pendurou uma tabela de basquete no quintal, no meio das árvores de frutas, e eu passava horas treinando, sonhando em um dia ser uma profissional. Com minha altura, seria mais um sonho do tipo impossível…
Para mim, todas as prostitutas de São Paulo estavam na Augusta. Eu já havia passado por lá muitas vezes, inclusive com meus pais. “Olha lá aquelas putas , alguem
comentava. Como é que uma mulher chega nesse ponto?”, eu pensava. Para mim, só tinha putas ali, naquela rua suja, feia. Ou, então, elas viviam naquelas casinhas

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oi eu sou compositor tenho varias musicas
vou motar dereitos altoras nelas para mostra para
algumas bandas que estao enteressada em velas